A 49ª posição do Brasil no índice Global de Inovação não converge com a sua nona colocação entre as principais economias do mundo. O país mais do que duplicou seus investimentos na área de pesquisa e desenvolvimento entre 2000 e 2022, mas os mais de US$ 35 bilhões investidos há dois anos são inferiores a 2015, quando os dispêndios nacionais alcançaram US$ 41,3 bilhões. Apesar do reconhecimento de que ciência, tecnologia e inovação resultam em crescimento econômico e social, ainda são necessários mais incentivos e colaborações de todos os atores econômicos para que os projetos na área alcancem os reais resultados projetados.
O Brasil ocupa a 14ª posição em produção científica, mas vem caindo posições na colaboração entre universidades e empresas. Enquanto em 2013 estava no 42º lugar, em 2023 despencou para a 78ª posição. Especialistas advertem que, apesar de produzir muitos papers (artigos científicos), o resultado em patentes é de apenas 1%.
Quando se fala em universidade-empresa, não há um match, segundo a presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), Marcela Flores. Isso se dá por uma série de fatores: o primeiro teria a ver com a legislação e o desalinhamento entre o que existe nível federal, estadual e municipal.
— Então um é o aspecto grande de legislação, que é um dos motivadores pelos quais a gente tem essa dificuldade; e o outro aspecto tem a ver com a cultura, porque a gente não tem uma cultura de conversa e um diálogo próximo e aberto entre a universidade e as empresas, de modo que muita coisa é criada nas universidades, e não vira nada depois de mercado. O pesquisador que está dentro da universidade às vezes nunca esteve numa linha de uma empresa, desconhece esse mundo; ao mesmo tempo que o executivo ou a executiva que está sentado lá nas nossas grandes empresas brasileiras nunca esteve numa universidade, num centro de pesquisa, numa bancada de pesquisa — afirmou Marcela Flores.
Presidente da Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação (ABIPTI), empresário e professor universitário, Paulo Foina chama atenção para o fato de a Capes (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) avaliar com mais intensidade os papers produzidos. Ele também salienta ainda que na educação, os programas de pós-graduação estão descolados da realidade de mercado.
— Infelizmente, muitas patentes geradas no estrangeiro são por pesquisa nossa. Quando um pesquisador publica um artigo, ele tem um ano para registrar a patente daquele artigo. Como ele já publicou e cumpriu o compromisso dele, ele não faz nada. A patente acaba sendo registrada por um país estrangeiro que pega aquele artigo e publica a patente. E aí a gente perdeu, quer dizer, é pesquisa nossa que vira patente fora. [...] Há falta de incentivo de pontuação dos programas de pós-graduação — diz Foina.
Para a CEO da SOSA Brazil, empresa multinacional de inovação aberta, Gianna Sagazio, a posição do Brasil no Índice Global de Inovação (são 132 países avaliados) não é compatível com a economia, com as vantagens comparativas, com a sofisticação do setor empresarial e com a qualidade da pesquisa desenvolvida no Brasil.
— O Brasil hoje, apesar de ter caído, no último ano, mais de 7%, ainda é o país que ocupa a 14ª posição em produção científica no mundo, mas ocupamos a 49ª posição no ranking de inovação. Ou seja, existe uma dificuldade no Brasil em transformar conhecimento em inovação no mercado, porque pela própria definição da inovação, a inovação acontece no mercado, as empresas inovam.
Toda essa realidade foi debatida em audiência pública na terça-feira (19), na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), a partir de requerimentos apresentados pelo líder do governo, senador Jaques Wagner (PT-BA), e pelo senador Izalci Lucas (PSDB-DF), que presidiu a reunião.
O debate sobre pesquisa, desenvolvimento e inovação no Brasil veio instruir a proposta de ampliação da Lei do Bem (PL 2.838/2020), de autoria de Izalci, que propõe mais benefícios concedidos às pessoas jurídicas que investem em inovação tecnológica, pesquisa e desenvolvimento, principalmente às pequenas e médias empresas.
Sancionada em 2005 com a premissa de proporcionar estímulos ao desenvolvimento tecnológico do país, a partir do fomento à pesquisa e à inovação, a Lei do Bem tem alcançado resultados. De acordo com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, 3.493 empresas se utilizaram dos benefícios dessa legislação em 2022, sendo que no primeiro ano de sua vigência, em 2006, foram 130.
Dados da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), que congrega 200 instituições, que representam 20% do produto interno brasileiro (PIB), apontam que 85% das empresas de grande porte associadas utilizam a norma em suas operações.
— E desde 2005, quando ela foi implementada, tem sido de fato fundamental para estimular o investimento privado nos projetos de pesquisa e desenvolvimento em diversas áreas estratégicas: tecnologia da informação, transição energética, energia renovável, biotecnologia, enfim, muitas outras, tendo alavancado aí já R$ 205 bilhões em investimentos de empresas privadas para a inovação no país. E esses investimentos, por óbvio, contribuem diretamente no avanço tecnológico das nossas empresas brasileiras, o que aumenta a nossa competitividade global — expõe a presidente da Anpei, Marcela Flores.
Por conta do benefício da Lei do Bem, ressalta, já foram viabilizadas as instalações de 16 novos centros de P&D no Brasil e a criação de 20 mil novos produtos. Ela destaca que na comparação com outros países, como França, Estados Unidos e Canadá — que utilizam a isenção fiscal para a inovação como uma das mais relevantes estratégias de fomento para pesquisa, desenvolvimento e inovação privada — a legislação brasileira é competitiva, mas precisa ser atualizada.
— Hoje a nossa dedução fiscal está baseada no lucro operacional do ano, o que dificulta a provisão e a apuração dos recursos quando a gente olha a inovação de médio e longo prazo. E a gente sabe que pesquisa e inovação de médio e longo prazo que têm risco tecnológico não acontecem num horizonte de curto prazo, de um a três anos. Então, esse é um ponto importante que essa melhoria está trazendo. Os Estados Unidos prorrogam a condição de a gente usar o benefício nos anos seguintes em até 20 anos, e a França em três, por exemplo.
Dados da Anpei também demonstram que as empresas que usam o mecanismo aumentaram seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento em pelo menos 43%, chegando em alguns casos a 81%, “impulsionando assim a criação de novas tecnologias, produtos e processos, mas também a geração de empregos qualificados”, ainda segundo Marcela Flores.
— Quando a gente olha para o histórico do período, de 2014 a 2021, de novo, a Lei do Bem se mostrando uma ferramenta muito valiosa, trazendo investimentos significativos. Nesse intervalo a gente teve R$ 144 bilhões de investimento privado para esses projetos inovadores, em especial uma variação no ano de 2022, com aumento de mais de 24% com relação ao ano anterior, de 2021 — disse a presidente da Anpei. Por meio da Lei do Bem, em 2021 foram registrados 31,9 mil profissionais especializados com dedicação exclusiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Nessa prospecção, o Senado analisa projetos de lei que apostam na "cruzadinha" de incentivos e resultados. Entre eles, está o PL 2.838/2020. Pelo texto estão sendo propostos a dedução, para efeito de apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), de valor correspondente à soma dos dispêndios realizados com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica.
Também é prevista a redução em 50% do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre equipamentos, máquinas, aparelhos e instrumentos destinados à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico.
Há ainda previsões de alíquota zero de Imposto de Renda retido na fonte quando de remessas para o exterior para registro e manutenção de marcas, patentes e cultivares, além de questões relativas à depreciação integral e à concessão de incentivos fiscais para a concepção de novos produtos ou processos.
— Nós temos algumas leis de incentivo, como a informática, como agora a questão da indústria automobilística, mas o que a gente precisa é evoluir nas pequenas e médias empresas. Não se faz inovação só nas grandes empresas. E a grande maioria das nossas empresas do Brasil são pequenas e microempresas. Porque inovação não acontece apenas nos produtos, acontece muito no processo — afirmou Izalci.
O parlamentar lembrou ainda que para cada R$ 1 investido na tecnologia, na inovação, há retorno de R$ 3,6 em impostos e de R$ 4,6 em investimentos pelas empresas.
— Então, quer dizer, nós não estamos falando aqui em gasto, nós estamos falando aqui exatamente em investimento, e com retorno — ressaltou o autor do projeto.
Subsecretário de Assuntos Econômicos e Fiscais do Ministério da Fazenda, João Paulo de Resende afirmou que o governo é a favor do mérito da proposta, mas que é preciso “garantir que a legislação tenha contornos que impeçam ou minimizem os riscos de vazamento. Ou seja, uma aplicação indevida do recurso, da política, do estímulo”.
Resende ponderou o significativo aumento do número de empresas que passaram a utilizar a Lei do Bem durante a pandemia, “muito provavelmente não para sua finalidade precípua”, mas para encontrar uma forma de desoneração tributária.
O descontingenciamento dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que hoje conta com R$ 10 bilhões de orçamento atual, com quase metade a fundo perdido, foi apontado pelo subsecretário como uma iniciativa para prestigiar investimentos em pesquisa, tecnologia e inovação, assim como o aumento dos valores de bolsas de pesquisadores e a restauração dos orçamentos das universidades públicas.
— O governo tem demonstrado um esforço muito grande, principalmente o Ministério da Fazenda, em cumprir, o novo arcabouço fiscal, que tem limitações de aumento de gastos e tem também uma meta de superávit primário a ser cumprida. [...] Então, muita legislação tem chegado para a sanção do presidente da República sem indicar de onde virão os recursos — disse o gestor, ao apontar preocupações com a ampliação da Lei do Bem.
O PL 2.838/2020 foi bastante defendido pelos representantes da Anpei, ABIPTI e da SOSA Brazil durante a audiência pública.
— O projeto permite a dedução em mais de um período de apuração fiscal e permite a contratação de outras empresas para a realização de pesquisa, desenvolvimento e inovação externa. Por que isso é importante? A inovação não acontece sozinha. A empresa não inova sozinha, ela está inserida em um ecossistema de inovação. Então, ela precisa interagir e precisa se relacionar com várias instituições e outras empresas que fazem parte dos ecossistemas de inovação. Esse projeto prevê isso e permite a dedução com investimentos em fundos voltados para aplicação em empresas de base tecnológica — afirmou a CEO da SOSA Brazil.
Para o presidente da ABIPTI, a Lei de Informática é um grande exemplo de legislação de incentivo e desenvolvimento tecnológico que pode servir como um espelho de sucesso.
— E a Lei do Bem podia se espelhar nela para desenvolver isso também nas outras áreas de conhecimento, agronomia, agropecuária, fármacos, indústria naval, indústria bélica, indústria aeronáutica etc.
Para Foina, o governo é um "grande sócio que só participa da vantagem", mas que é preciso mais atuação quando se pensa em investimentos.
— Quando a gente inova, há um risco para o empresário muito grande. Ele está colocando o seu dinheiro, que é suado para conseguir, às vezes ele não tem, vai buscar empréstimo, para fazer pesquisa de inovação. E essa pesquisa, por termos um grande sócio, o governo tem que ser partícipe dessa, tem que ser sócio da gente também no investimento, porque vai gerar aumento de receita para ele.
Segundo o presidente da ABIPTI, mais de 1,5 mil empresas, com lucro real, estão disponíveis para usar a Lei do Bem, mas não o fazem pelos riscos.
— Por várias razões. Primeiro que é uma complexidade operacional para isso. Segundo que tem um risco de glosa. Eu invisto na Lei do Bem [...] e no final do ano eu descubro que aquilo não era inovador, porque o Ministério da Ciência Tecnologia vai julgar aquilo como não inovação. E aí eu sou obrigado a devolver o dinheiro, que eu já gastei, por ter sonegado imposto durante aquele ano. Então tem um risco tecnológico muito grande, e as empresas têm medo desse risco. A gente sabe que existe uma incerteza jurídica no Brasil muito grande em quase tudo. Nós temos um risco que o empresário não quer correr e não corre. Quem corre esse risco? Grandes empresas que têm bons advogados, que têm grupos de pesquisa já instalados, que podem fazer isso com uma certa segurança — expôs Foina.
Muitas outras propostas em andamento no Senado buscam aumentar os incentivos para a pesquisa e a inovação. Uma das mais antigas é o PLS 758/2015, do senador Romário (PL-RJ), que possibilita deduzir do Imposto de Renda devido pelas pessoas físicas e pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real os valores despendidos a título de doação para apoio direto a projetos de pesquisa científica básica.
“A pesquisa científica básica, majoritariamente realizada em instituições públicas como universidades e centros de pesquisa, é sem dúvida o grande eixo motriz que impulsiona a produção científica no Brasil e que serve de alicerce tanto para a pesquisa aplicada quanto para a inovação”, defendeu o senador.
Outra proposta é o PL 2.831/2019, da senadora Leila Barros (PDT-DF), que pretende proporcionar melhores condições ao desenvolvimento de empresas de base tecnológica, as startups.
“Propõe-se a alteração do Marco Nacional de Ciência e Tecnologia, Lei 10.973, de 2004, que trata de incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, introduzindo conceitos importantes que envolvem a startup e seu ambiente. O projeto trata do incentivo como norma programática e define requisitos para uma empresa ser considerada startup”, explica a senadora.
O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) apresentou uma proposta para uma área mais específica. Pelo PL 4.465/2021, o parlamentar propõe medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no setor de saúde, com vistas à sua capacitação produtiva e tecnológica.
“Em relação ao direcionamento e financiamento ao setor de saúde, foram inseridos ao projeto proposto dispositivos para direcionar recursos do FNDCT prioritariamente para a superação de desafios sanitários e epidemiológicos do Sistema Único de Saúde, inclusive para a implementação, manutenção e recuperação de infraestrutura de pesquisa científica e tecnológica na área da saúde”, expõe Alessandro Viera.
Já a Comissão de Meio Ambiente (CMA) encabeça o PL 1.875/2022, para permitir que sejam deduzidos do lucro líquido para fins tributários os dispêndios com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica para projetos de sustentabilidade.
Fonte: Agência Senado