O ambiente político
Um dos problemas mais complexos na pauta da Ciência Política, hoje, é o da polarização. Essa raiva política que tantos têm é atribuída, por muitos, aos algoritmos das redes constantemente nos provocando à indignação. Se retroalimentam. Muita gente constantemente em fúria com o outro lado — não importa qual. Polarizados são os mais susceptíveis a fake news. Mas a polarização não é de toda a sociedade. E o impacto da fake news é difícil de avaliar.
Um estudo do Pew Institute nos EUA, em 2019, apurou que metade dos americanos veem fake news como um problema grave. Quase 70% acreditam que notícias falsas impactam diretamente na confiança que as pessoas têm no governo. A percepção, portanto, é de que se trata de uma questão enorme.
Não é bem assim. O cientista político Brendam Nyham buscou dados diversos de consumo de informação online para pintar um quadro mais amplo. Descobriu que o consumo de fake news se concentra nos 10% dos americanos mais conservadores — estes são os responsáveis por 6 em cada 10 visitas a sites de notícias falsas. E, mesmo neste grupo, fake news representam apenas 8% de seu consumo total de notícias.
Mas o problema da política é que mesmo estes números, que parecem tranquilizar, não são tão simples assim. A parcela da população realmente ativa politicamente não é grande. Portanto, 10% dos mais conservadores quer dizer um índice muito maior daquelas que são as pessoas engajadas com questões políticas e que, portanto, influenciam grande parte da sociedade. Não é preciso atingir muita gente para ter grande impacto.
Não há números do tipo para o Brasil, mas Jair Bolsonaro é fruto do mesmo fenômeno do qual vem Donald Trump. O neopopulismo nacionalista conservador tem muitas vertentes. Bolsonaro poderia ter escolhido o caminho de um Viktor Orbán — mas escolheu emular Trump. E, feito presidente, Trump partiu para uma estratégia de embaralhar mais o ambiente. Ele pescou o termo ‘fake news’ e passou a atribuí-lo a veículos como New York Times, Washington Post, CNN. Ao mesmo tempo, ele mente, exagera, tira do contexto — e o tempo todo. Em 2007, 71% dos republicanos consideravam fundamental que seus líderes fossem honestos no que falavam. Em 2019, 49%.
Os eleitores de Trump sabem que ele mente. Que exagera. Que força a barra. Mas parte do fenômeno das fake news não está em enganar. Está na construção do discurso. Quando se encontra com o processo de polarização do naco politizado da sociedade, o resultado não é que engane. Porque nem sempre engana. Vira torcida. Vira esporte — e, para o torcedor, não importa tanto se o juiz é ladrão, desde que a vitória chegue.
No Brasil, o problema é mais complexo. Nos EUA, a influência de redes de mensagem fechadas é muito menor do que aqui, onde o WhatsApp é muito mais influente. E, por ser fechado e criptografado, é muito mais difícil compreender o fluxo da desinformação via esta plataforma.
O combate
Esta semana, pela primeira vez, um tuíte do presidente americano Donald Trump ganhou da plataforma um adendo — era um alerta com um link. Dizia que a informação era passível de contestação mediante checagem e oferecia a informação correta. As empresas jornalísticas que checam informação fazem parte dos antídotos em oferta para o problema. Trump ficou furioso.
Há dois anos, o Facebook começou a oferecer este serviço — o de marcar posts com links para a informação checada por profissionais. O resultado, de acordo com o estudo de cientistas políticos, foi ruim. Não porque as pessoas não acreditassem, mas porque causava uma falsa sensação de segurança. A partir do momento em que algumas notícias falsas vêm acompanhadas de links para os fatos, parece que tudo não marcado é verdadeiro. Este é um problema de escala. Produzir o falso é fácil, redigir a correção é trabalho de horas de gente especializada.
Mas, segundo Nyham, o que o Twitter fez pode dar certo. A desinformação é vasta, mas pouca desinformação circula tanto quanto aquela produzida na elite política. Os presidentes, os ministros, os parlamentares ou governadores. É mais importante corrigir aquilo que é passível de verificação e vem das mais altas autoridades, do que o todo.
E há outro aspecto. Estas operações são financiadas. É o velho conselho do Garganta Profunda aos repórteres do Washington Post: siga o dinheiro. Desde sua raiz no século passado, o desenvolvimento das técnicas modernas de desinformação traz financiadores. É mais fácil resolver punindo quem paga do que tentando coibir a produção e distribuição. Hoje, empresas de publicidade automatizada online, como Google e Facebook, têm regras rígidas para coibir propaganda em quem veicula fake news. Mas e empresários partidarizados que bancam a parte mais importante do negócio?
Isso não inocenta as redes sociais: são pouco transparentes e seus algoritmos caixa-preta são um problema. Exploram fraquezas humanas. São experimentos behavioristas. Mas, ali, a complexidade é imensa. Afinal, com todos seus defeitos uma qualidade se sobrepõe: ampliaram a Praça Pública. Ampliaram o número de pessoas conversando sobre as coisas da sociedade. E se ao menos uma lição o filósofo John Stuart Mill deixou, foi: o melhor combate a ideias ruins se dá com bons argumentos.
Não há consenso entre especialistas, mas estes itens se sobressaem. Mais importante do que coibir a desinformação nas redes há estes dois elementos. Atacar os financiadores e corrigir as vozes de autoridade política.
*Com informações de Pew Research Center , Gen Medium.com e Money CNN,
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